quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Snooze: cochilando só no nome


Rafael Jr. é um grande amigo, mas eu nunca vi Rafael Jr. O meu amigo é tudo o que eu quis ser um dia. Como eu, ele sonhava lá nos idos de 90 e poucos em ser músico e viver disso, mesmo tocando rock e em inglês. Hoje, enquanto escrevo resenhas, meu amigo é um profissional da música e, com ela, sustenta sua família. É respeitado no meio e tem sua fanbase (na qual me incluo).

Não se trata de auto-depreciação ou ironia, é apenas uma constatação feliz. Fico feliz por ele, por seu irmão e grande companheiro Fabinho. Eles são os cappi da banda Snooze, na ativa há mais de 15 anos, a melhor banda de indie rock viva do Nordeste, uma das mais melódicas do Brasil e mais rock´n´roll também, com certeza. E eles são de Sergipe, terra de meus pais e de meus avós.

Conheci Rafael em 95. Tava querendo me profissionalizar na música e, na raça, como estudante de jornalismo, levava a divulgação do Embryo (minha banda) nas costas. Copiava e mandava Brasil afora os releases que eu mesmo fazia e as cópias das demos que minha banda gravava nos estúdios de rádio da faculdade de comunicação da UniSantos.

Um dos fanzines para o qual mandava as fitas era o Cabrunco, de Jr e do jornalista Adolfo Sá. Escolhia os zines para os quais mandar as demos pelos nomes. E lógico que escolhi Cabrunco, porque pelo menos em casa, Cabrunco era um palavrão daqueles... Lembro que quando meu pai ficava realmente aperriado, revoltado das idéias, ele soltava um “fio dum cabrunco!”. E ai se eu repetisse... Quando perdia nos meus jogos de botão comigo mesmo eu soltava uns “cabruncos” de vez em quando. E ele dizia: “cabrunco é coisa ruim”... Hehehehe

E assim funcionavam as coisas, você mandava uma demo, recebia um fanzine e quando os caras dos zines eram legais e profissas como o Rafael, você recebia uma demo também. Depois de um tempo, a demo de sua banda recebia uma resenha. E uma das melhores demos que eu recebi naqueles anos maravilhosos de 95-96 foi a primeira do Snooze.

Eu era pirado nas duas primeiras faixas: “Someday” e “My Gramophone” e eu o Mauro e outros amigos ouvíamos vidrados a fitinha da Snooze (tenho ela até hoje). Eles misturavam tradições oitentistas com o melhor que rolava no mundo indie naquele tempo, pitadas de Sonic Youth, de My Blood Valentine, Pixies. O som tinha aquela suavidade indie, mas tinha um quê soturno, pós-punk, presente o tempo todo. E era (é) muito bom.

Nessas voltas que a vida dá, eu virei jornalista mesmo e o Embryo morreu de inanição, pois cada integrante morava num canto do Estado de S. Paulo. Fizemos um último show em setembro de 1996, eu e o Roberto (fundadores), o Shiro (guitarra) e o Aran (Bonequinho), no vocal, que vinha de Bauru, na raça, tocar com a gente e vez em quando. As demos estão aqui e eu vou digitalizar tudo em breve, assim como digitalizei parte do acervo de minha primeira banda, a Nowhere, que era outra praia.

Mas o Snooze não parou. A ferro e fogo e muitas mudanças de formação, Rafael e Fabinho foram levando, mesmo quando tiveram que morar em cidades diferentes. Gravaram dois Cds, o primeiro "Waking Up... Waking Down", saiu pela Short Records (SP), em 1998. Nesse disco estão “Life´s Good” e “How Can You Be Sure Today”, gravadas em 1997. Soube delas através de meu último contato postal com o grande Rafael.

E, nessas voltas que a vida dá, encontro um sujeito de nick Rafael Snoozer comentando uma foto de um velho ídolo meu, Johnny Hansen, no Orkut... Era, claro, o meu velho amigo Rafael Jr, direto de Aracaju. Entramos em contato e eu fui presenteado com o CD maravilhoso que o Snooze lançou em 2006 pela Monstro Discos/Solaris Discos, chamado Snooze, claro.

E os meninos não deixaram de ser eles mesmos, mas melhoraram, cresceram. É um prazer ouvir suas faixas encantadas. Rafael (bateria) e Fabio (baixo) tem a companhia, no disco dos guitarristas Clínio Jr e Marcelo Moura, outras duas feras.

A pegada está mais ainda calcada no rock´n´roll britânico, sem perder, claro, momentos de distorção e fuzz aquosos, como “Stay With Me/Noiserockisthejazzoffuture” com o vocal peculiar e belo de Fabio, seu baixo ondulante, e as viradas destemidas de Rafael, embrulhadas num mar de guitarras.

Em “Fado” e “Love and Death (No conclusions)”, a banda atinge os melhores momentos do CD. São faixas tranqüilas, suaves. “Love...”, especialmente, lembra muito, para mim, The Thrills e Teenage Fanclub. É interessante como a banda trabalha sua matéria prima básica, que é o rock, e a transforma em algo próprio, como o próprio Teenage e alguns poucos outros ainda fazem hoje em dia, esse entalhar artesanal.

Como disse no título, o Snooze cochila só no nome e, como todos nós, cresce e envelhece durante o torpor. Talvez os cochilos nas tardes quentes de Aracaju depois das cervejas antes e depois do almoço sejam a matéria prima desse sonho e o barril de carvalho que melhora o vinho. Long Live Rock!

Além dos dois discos citados, a banda ainda lançou, em 2002, "Let My Head Blow Up" pela parceria Monstro Discos/Short Records, com oito inéditas de estúdio e uma espécie de "Lado B" ao vivo, onde tem canções do primeiro disco, coisas inéditas e covers não creditados. Tem ainda a primeira demo em formato de CD-R, lançada em 2002 pela Solaris, considerado um play não-oficial pela banda, mas que é ótimo!!!

Aproveite e conheça o Snooze: http://www.myspace.com/snoozetherockgroup

P.S.: Rafael ainda é baterista em outra banda, a Maria Scombona, de música nordestina, de ramais tradicionais, misturados à poesia concreta do cantor e compositor Henrique Telles (outro dia eu falo dela aqui com mais carinho).